Diante da pandemia provocada pelo novo coronavírus muitas foram as medidas adotadas na tentativa de mitigar os efeitos acarretados pela presença do vírus.
Com isso, acompanhamos a publicação de inúmeros decretos estaduais e municipais, medidas provisórias, notas informativas, recomendações, pareceres entre outras providências tomadas pelos entes estatais.
Essa dinâmica fez surgir muitos questionamentos quanto os reflexos jurídicos gerados pela pandemia. Dentre esses questionamentos, a implicação da responsabilidade e suas eventuais excludentes em face dos médicos tem causado grande preocupação entre os profissionais da medicina.
Assim, visando melhorar a compreensão sobre tema tão relevante e atual, trouxemos essa discussão de forma pormenorizada como forma de auxiliar nessa missão que é Ser Médico.
- Direito médico na pandemia
A reflexão sobre a incidência ou não da responsabilidade médica em tempos de pandemia, vem se destacando entre os estudiosos do direito médico.
Esse debate se faz pertinente tendo em vista todas as incertezas provocadas pela chegada do novo coronavírus (COVID-19).
Até o momento, os estudos relativos a SARS COV não são conclusivos no sentido de se determinar um tratamento eficaz para a doença. A única certeza que se tem até agora, é que se trata de uma moléstia altamente contagiosa, que em determinados casos necessitam os pacientes de cuidados intensivos, ou até mesmo ventilação mecânica, podendo em algumas situações levar o paciente a óbito.
E é nesse escopo que a responsabilidade do profissional médico deverá ser avaliada e meticulosamente analisada, para que não se cometa excessos na imputação de responsabilidade àqueles que não se enquadram nos requisitos.
É cediço que em tempos de calamidade pública, como a que estamos vivendo, os direitos podem ser relativizados como forma de proteção a saúde da coletividade.
Cumpre destacar que a incidência da responsabilidade pode ocorrer em e esferas: a cível, ética e penal.
- O uso da cloroquina no tratamento do COVID-19
Muito se tem falado sobre o uso (in)devido da cloroquina no tratamento das pessoas infectadas pelo SARS COV (novo coronavírus). Em todos os grupos sociais acompanhamos debates acalorados em prol e contra o uso deste fármaco.
Importante frisar que a finalidade desta análise não é defender o uso ou não do medicamento, mas sim avaliar o reflexo jurídico que implicará na atuação médica.
Para tanto, é preciso entender a política pública instaurada por meio da Nota Informativa nº 05/2020 do Ministério da Saúde, e a relação médico paciente diante disto.
Essa distinção é importante pois afetará diretamente a interpretação na configuração da responsabilidade ou não do profissional
2.1. Entendendo a NI 05/2020/MS como política pública
Em 27 de março de 2020 o Ministério da Saúde publicou a Nota Informativa (NI) nº 05/2020, que trata sobre o uso da cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de casos graves do COVID-19.
Essa NI possui caráter geral e estabelece algumas diretrizes no uso da cloroquina nos casos graves do COVID-19, sendo uma política de amparo ao sistema público de saúde, além de disponibilizar o medicamento para todas as unidades de saúde ligadas ao SUS.
A nota dispõe ainda que a prescrição do fármaco, cloroquina, deverá acontecer a critério do médico, que avaliará o quadro clínico do doente e a possibilidade de administrar o medicamento sem maiores danos ao paciente.
Insta salientar que, caso o médico entenda não ser, o uso da cloroquina, pertinente no tratamento do COVID-19, ele terá total liberdade de não prescrevê-lo, mesmo sob insistência do paciente.
Pois, mesmo diante da política adotada pelo Ministério da Saúde de disponibilizar a cloroquina a toda rede SUS, indicando sua utilização como terapia adjuvante em pacientes hospitalizados em estado grave do COVID-19, a decisão de prescrever ou não essa terapêutica é de exclusividade do médico, atendendo a todos os fundamentos médicos, éticos e científicos.
Dessa forma, fica claro que o fato mais relevante da NI 05/2020/MS é a distribuição do medicamento na rede pública, e substanciar a liberdade do médico de usá-la ou não, a depender do quadro e anuência do paciente.
Nos casos em que a medicação for administrada de forma impositiva, sem os devidos esclarecimento quanto a não comprovação de sua eficácia, elencados todos os riscos inerentes ao seu uso e com anuência expressa do paciente ou de um familiar por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, poderá o médico responder judicialmente por essa conduta.
Para uma atuação segura é preciso estar atento às premissas básicas, quais sejam: avaliação das condições físicas do paciente, informá-lo de todas as possíveis intercorrências e colher de forma expressa o consentimento para o uso do medicamento.
Nas situações em que o paciente não possa expressar sua vontade, ou que não tenha a presença de um familiar, o médico ficará isento dessa obrigatoriedade, mas é preciso que se tenham esgotado todas as possibilidades de contato com um familiar.
Em consonância a esses princípios o Conselho Federal de Medicina publicou o parecer nº 4/2020, ressaltando pontos importantes sobre o tema.
2.2. Conselho Federal de Medicina e infração ética
O Conselho Federal de Medicina publicou em 10.04.2020 o Parecer nº 04/2020, no qual apresenta os princípios norteadores no uso da cloroquina, em condições excepcionais, para tratamento do COVID-19.
O CFM propõe aos médicos considerarem o uso da cloroquina em pacientes com sintomas leves no início do quadro clínico em que outras viroses tenham sido descartadas; pacientes com sintomas importantes e pacientes críticos.
A prescrição da cloroquina caberá ao médico assistente em decisão conjunta com o paciente, atendendo aos princípios da autonomia do médico; e valorização da relação médico paciente.
O dever de informar o paciente sobre os estudos ainda não conclusivos e os possíveis efeitos colaterais é obrigatório, além de coletar o consentimento informado do paciente ou de um familiar.
Ademais, o CFM afirma que, o médico que prescrever a cloroquina não incorrerá em infração ética.
Todos esses cuidados repetidamente abordados, vem no sentido de evitar que o profissional da medicina seja responsabilizado de maneira arbitrária ou até mesmo dolosa.
Referências:
Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Acesso em:
http://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf
Conselho Federal de Medicina. Parecer nº 04/2020. Acesso em:
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2020/4
Conselho Federal de Enfermagem. Nota Informativa nº05/2020/MS. Acesso: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/Nota-Informativa_05-2020_DAF_SCTIE_Cloroquina.pdf.pdf
EAdvocacia – Defesa Médica. Responsabilidade subjetiva e da obrigação de resultado do cirurgião plástico. Acesso em:
EAdvocacia – Defesa Médica. Responsabilidade Penal do Médico. Acesso:
https://eadvocacia.adv.br/a-responsabilidade-penal-do-medico/